quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Além do que se vê.

Todos dormiam menos ela.
No relógio, vinte e três horas e vinte e seis minutos.
Há quanto tempo não arriscava?
Há muito tempo...

Riu de si mesma enquanto andava pela rua com um sorriso torto estampado no rosto. Sentia-se aquela adolescente faceira mais uma vez.
O vento batia com força nas janelas dos prédio ao redor, forçando sua entrada pelo vidro grosso. Ele queria entrar. As árvores dançavam, calmas. Respirou fundo.
"É incrível o rumo que as coisas podem tomar. Hum. Quente noite de inverno. Contraditório". Mas o que não era contraditório nos últimos tempos? Confusão emocional, pílulas para isso, pílulas para aquilo.
Estava farta dessa vida medíocre que criara para si mesma. "Culpada de todas as acusações, meretíssimo!"
Estava calma, serena. Os pés no chão. A mente clara. Tudo fazia sentido naquela noite. "Os dias que me vejo só são dias que eu me encontro mais. Eu devia mesmo prestar mais atenção ao que ouço".
As luzes da rua a acompanhavam nessa caminhada em direção à descoberta. Dela mesma. De tudo o que tinha abandonado por livre e estúpida vontade. Era como se o vendo trouxesse as respostas. Fácil assim. Porque, na verdade, não era difícil, era doloroso. São coisas completamente diferentes. Ela sabia o que fazer. Se não soubesse, não estaria sofrendo.
Comodismo. Costume. Se acostumou com a dor. Sentia-se viva acompanhada dela. Mas ali, naquela esquina, naquela noite, nada doía, e ela nunca se sentiu tão viva em toda sua vida."Vamos queimar mais algumas células, shall we?"
Acendeu o cigarro de filtro vermelho. A fumaça invadia seus pulmões quase como água para o sedento."Ahhh...agora sim!"
Parou para encarar seu reflexo na vitrine de uma dessas grandes lojas de departamentos. Grades protegiam os vidros. Era assim que se sentia. Um animal selvagem preso em uma jaula. Até agora.
O vento voltou a soprar. Algo aos seu pés chamou sua atenção. Abaixou-se para pegar o papel sujo e amassado que, de alguma forma, ficou preso em sua calça. Era um daqueles panfletos baratos de Santos. Na frente, a imagem de Santa Bárbara, a Santa guerreira. Atrás, uma oração em sua homenagem. "Santa Bárbara, que sois mais forte que as torres das fortalezas e a violência dos furacões, fazei que os raios não me atinjam, os trovões não me assustem e o troar dos canhões não me abale a coragem e a bravura. Ficai sempre ao meu lado para que eu possa enfrentar de fronte erguida e de rosto sereno todas as tempestades e as batalhas de minha vida, para que, vencedor de todas as lutas, com a consciência do dever cumprido, possa agradecer a vós, minha protetora, e render graças a Deus, criador do céu, da terra, da natureza: este Deus que tem poder de dominar o furor das tempestades e abrandar a crueldade das guerras. Santa Bárbara, rogai por nós!" Leu em voz alta. Olhou para os lados. A rua, tão movimentada durante o dia, agora estava completamente deserta.
Voltou para casa. Com ela, o vento soprando, a Santa no bolso e um sorriso no rosto.
E a felicidade.
Ah, sim. A felicidade que a inundava. Olhou para o peito com a mão sobre o coração.
"Onde você estava?" A resposta veio na mesma hora. "Aí dentro. O tempo todo."

3 comentários:

  1. bizarro! vc tá no meu blog e eu tô no seu! nesse exato momento! (tp q ia mandar isso por sms, mas a nextel tá disacanagi com minha fuça hehe)

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  2. "por livre meio e estúpida vontade". harmadex rules =)

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  3. Meu Deus, que triste.
    Vc escreve bem triste.
    Mas to precisando do seu sorriso!!!!

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