Ela acordou, lavou o rosto, escovou os dentes, serviu uma caneca de café bem quente com pouco açúcar e ligou a televisão no programa das onze, tudo como sempre fazia. Sentou-se na poltrona, de lado, sobre as pernas dobradas, com o velho casaco xadrez que a esquenta todas as manhãs. Sentia um frio agudo, daquele que machuca os ossos, e até pensou em voltar para a cama, se encolher no cobertor pesado e dormir um pouco mais. Parecia uma boa idéia. Nos últimos tempos sua cama era seu refúgio, ali nada a atingia.
Levantou da poltrona e foi até a cozinha, completar a caneca de café que já estava pela metade. Tem agonia de coisas incompletas. Sentia-se pesada, o que era comum ultimamente e não a agradava nem um pouco. Era como se grilhões invisíveis estivessem presos aos seus pés e braços. Olhou para baixo na esperança de vê-los. Esperança mesmo. Lidar com coisas materiais é tão mais fácil. Iria até a loja de ferramentas da esquina, imaginou, carregando seus grilhões, e pediria ao homem que trabalhava com as vigas de ferro: “Moço, será que o senhor poderia tirar esses negócios de mim? Não sei como eles foram para aí, não. Mas são muito pesados, sabe, acho que não estão fazendo bem para minha coluna e nem para minha cabeça. Minhas costas doem demais e estou ficando meio maluca.” Riu de si mesma, mas ainda assim queria que fosse verdade.
Caminhou até a porta do quarto e deu uma boa olhada. Lá estava ela, tão quente, tão convidativa. Sua cama era uma resposta muito fácil, tudo o que ela queria. Procurou pela luz que esquentava seu rosto. Não tinha reparado em como o dia estava bonito. Não reparava mais em nada ultimamente. O frio que cortava seu rosto foi amenizado pelo sol intenso que brilhava em um céu limpo. Lembrou de sua avó. Ela chamava de céu de brigadeiro quando ele estava assim, sem nuvens, de um azul intenso e tranqüilizador. Sentia uma mistura de desespero e êxtase. Decidiu arriscar. Largou a caneca sem se preocupar com a marca que deixaria no móvel branco, vestiu um velho agasalho e saiu porta afora, desta vez, sem olhar para trás.
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